Companheiras e companheiros leiam essa obra prima de Vladimir
Safatle publicada hoje (dia 17/3) na Folha
Impeachment
é pouco
17/03/2015 02h00
Você na rua, de
novo. Que interessante. Fazia tempo que não aparecia com toda a sua família. Se
me lembro bem, a última vez foi em 1964, naquela "Marcha da família, com
Deus, pela liberdade". É engraçado, mas não sabia que você tinha guardado até
mesmo os cartazes daquela época: "Vai para Cuba", "Pela
intervenção militar", "Pelo fim do comunismo". Acho que você
deveria ao menos ter tentado modernizar um pouco e inventar algumas frases
novas. Sei lá, algo do tipo: "Pela privatização do ar", "Menos
leis trabalhistas para a empresa do meu pai".
Vi
que seus amigos falaram que sua manifestação foi uma grande "festa da
democracia", muito ordeira e sem polícia jogando bomba de gás
lacrimogêneo. E eu que achava que festas da democracia normalmente não tinham
cartazes pedindo golpe militar, ou seja, regimes que torturam, assassinam
opositores, censuram e praticam terrorismo de Estado. Houve um tempo em que as
pessoas acreditavam que lugar de gente que sai pedindo golpe militar não é na
rua recebendo confete da imprensa, mas na cadeia por incitação ao crime. Mas é
verdade que os tempos são outros.
Por
sinal, eu queria aproveitar e parabenizar o pessoal que cuida da sua assessoria
de imprensa. Realmente, trabalho profissional. Nunca vi uma manifestação tão
anunciada com antecedência, um acontecimento tão preparado. Uma verdadeira
notícia antes do fato. Depois de todo este trabalho, não tinha como dar errado.
Agora,
se não se importar, tenho uma pequena sugestão. Você diz que sua manifestação é
apartidária e contra a corrupção. Daí os pedidos de impeachment contra Dilma.
Mas em uma manifestação com tanta gente contra a corrupção, fiquei procurando
um cartazete sobre, por exemplo, a corrupção no metrô de São Paulo, com seus
processos milionários correndo em tribunais europeus, ou uma mera citação aos
partidos de oposição, todos eles envolvidos até a medula nos escândalos atuais,
do mensalão à Petrobras, um "Fora, Alckmin", grande timoneiro de
nosso "estresse hídrico", um "Fora, Eduardo Cunha" ou
"Fora, Renan", pessoas da mais alta reputação. Nada.
Se
você não colocar ao menos um cartaz, vai dar na cara de que seu
"apartidarismo" é muito farsesco, que esta história de impeachment é
o velho golpe de tirar o sujeito que está na frente para deixar os operadores
que estão nos bastidores intactos fazendo os negócios de sempre. Impeachment é
pouco, é cortina de fumaça para um país que precisa da refundação radical de
sua República. Mas isto eu sei que você nunca quis. Vai que o povo resolve
governar por conta própria.